Enquanto Hugo começa sua viagem à Torre no Deserto, vamos direcionar nossa atenção, por um instante, para um outro evento, para uma outra personagem.
Voltemos para a madrugada que antecedeu a expedição. Hugo terminara seu turno de guarda, tomara um banho, jantara e foi dormir; mas, já fazia um dia, Borgo estava desaparecido. Bem, ele passou a noite anterior, o dia e, agora, parte daquela noite ao norte da colônia, entre explosões de areias, em um esforço atípico para ele.
Borgo jamais tivera contato com algum humano, e aquele primeiro contato o havia mudado muito. Ele vinha de um bando cujo território havia sido roubado a alguns meses. Naquela noite, ele havia voltado para retomar o seu território. Descobriu que o clã rival tinha sido expulso de alguma forma, sobrando apenas um membro para tomar conta do lugar. Sem perder tempo, Borgo atacou o rival, tendo uma chance a mais por causa do fator surpresa.
Porém, o fator surpresa não ajudou muito, e os dois logo estavam em combate mano a mano. E bem no momento em que começava a perder, Borgo fora salvo por um humano insano, que mais tarde lhe deu o nome em questão.
O calango-areia não tinha nome até aquele momento.
Naquele um dia e meio sozinho no deserto, Borgo teve um contato significativo com seu instinto selvagem,algo que jamais tivera. Ele sabia que estava crescendo de alguma forma, ainda que não fosse seu tamanho; seu controle sobre a areia( essa é a verdadeira natureza dos calangos-areia, o controle de areia, algo que para a grande maioria da espécie não passava de implosões), havia tomado uma forma mais específica. E poderosa.
Este processo é conhecido por nós como “treinamento”.
Esse treinamento o levou a dar uma volta ao redor da colônia, passando a madrugada em que fora salvo, a manhã daquele dia, a noite e chegando a terminar a madrugada que antecedeu a partida da expedição. E é nesse momento, o Tempo da Alvorada, que Borgo chega ao seu território onde fora anteriormente humilhado.
Lá estava o outro calango-areia, dormindo como um senhor protegido em seus muros. A uma distância considerável, Borgo fez a areia se mover o suficiente para despertar o rival. Este pareceu rir e se aproximou, batendo a cauda na areia numa tentativa de enterrar Borgo. A resposta foi uma onda de areia maior, que cobriu o rival, levando-o longe. Em seguida, outro golpe de areia que o fez voar para não se sabe onde. Naquele momento, o território e o orgulho de Borgo retornaram a ele. O outro calango nunca mais foi visto ali.
Borgo retornou à colônia, procurando o humano que o salvara. Mas só o foi encontrar algumas horas depois com trajes diferentes e partindo para algum lugar.
–Você sumiu – o humano lhe disse – Mas, aqui vamos nós para o deserto. E agora não estou sozinho.
E mesmo sem entender o valor daquelas palavras, Borgo concordou.