sexta-feira, 30 de março de 2012

Terra Morta: Madrugada Distinta


Enquanto Hugo começa sua viagem à Torre no Deserto, vamos direcionar nossa atenção, por um instante, para um outro evento, para uma outra personagem.

Voltemos para a madrugada que antecedeu a expedição. Hugo terminara seu turno de guarda, tomara um banho, jantara e foi dormir; mas, já fazia um dia, Borgo estava desaparecido. Bem, ele passou a noite anterior, o dia e, agora, parte daquela noite ao norte da colônia, entre explosões de areias, em um esforço atípico para ele.

Borgo jamais tivera contato com algum humano, e aquele primeiro contato o havia mudado muito. Ele vinha de um bando cujo território havia sido roubado a alguns meses. Naquela noite, ele havia voltado para retomar o seu território. Descobriu que o clã rival tinha sido expulso de alguma forma, sobrando apenas um membro para tomar conta do lugar. Sem perder tempo, Borgo atacou o rival, tendo uma chance a mais por causa do fator surpresa.

Porém, o fator surpresa não ajudou muito, e os dois logo estavam em combate mano a mano. E bem no momento em que começava a perder, Borgo fora salvo por um humano insano, que mais tarde lhe deu o nome em questão.

O calango-areia não tinha nome até aquele momento.

Naquele um dia e meio sozinho no deserto, Borgo teve um contato significativo com seu instinto selvagem,algo que jamais tivera. Ele sabia que estava crescendo de alguma forma, ainda que não fosse seu tamanho; seu controle sobre a areia( essa é a verdadeira natureza dos calangos-areia, o controle de areia, algo que para a grande maioria da espécie não passava de implosões), havia tomado uma forma mais específica. E poderosa.

Este processo é conhecido por nós como “treinamento”.

Esse treinamento o levou a dar uma volta ao redor da colônia, passando a madrugada em que fora salvo, a manhã daquele dia, a noite e chegando a terminar a madrugada que antecedeu a partida da expedição. E é nesse momento, o Tempo da Alvorada, que Borgo chega ao seu território onde fora anteriormente humilhado.

Lá estava o outro calango-areia, dormindo como um senhor protegido em seus muros. A uma distância considerável, Borgo fez a areia se mover o suficiente para despertar o rival. Este pareceu rir e se aproximou, batendo a cauda na areia numa tentativa de enterrar Borgo. A resposta foi uma onda de areia maior, que cobriu o rival, levando-o longe. Em seguida, outro golpe de areia que o fez voar para não se sabe onde. Naquele momento, o território e o orgulho de Borgo retornaram a ele. O outro calango nunca mais foi visto ali.

Borgo retornou à colônia, procurando o humano que o salvara. Mas só o foi encontrar algumas horas depois com trajes diferentes e partindo para algum lugar.

–Você sumiu – o humano lhe disse – Mas, aqui vamos nós para o deserto. E agora não estou sozinho.

E mesmo sem entender o valor daquelas palavras, Borgo concordou.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Terra Morta: Outras Pessoas – Parte V(Final)

Naquela noite, Hugo só conheceu o ajudante de cozinheiro, Haroldo, mas não bateu muito papo com ele. Érick ficou irritado por não haver ninguém ali o(s) esperando. O chefe da expedição deixou o novo membro da colônia naquela cabana mesmo e o mandou dormir. Hugo não discutiu e seguiu a ordem.

Quando acordou no dia seguinte ( na verdade, foi acordado. E não muito educadamente), Hugo viu que Borgo não estava mais na cabana. “Provavelmente deve ter ido a algum lugar e depois voltará. Ou fugiu mesmo”, Hugo pensava, ao som da voz de algum rabugento que ele não havia conhecido.

Com um pé na bunda(um pé que mais tarde no mesmo dia saberia se tratar do de Érick), Hugo foi expulso da cabana onde estava e não pode voltar para lá durante a manhã. Duas moças que passavam por ali deram risinhos para a situação em que ele se encontrava, e duas senhoras idosas mais próximas o xingaram descaradamente. Ele ficou abismado. Do lado de fora estava um homem

(Ei, bastardo! Precisamos nos adiantar pra amanhã! Então mexa a merda da sua bunda e seja útil!! Quem eu sou?! Meu nome é Kelvin! Vamos, bastardo, vamos!)

que o mandou realizar uma série de serviços. Hugo havia conhecido o cozinheiro da expedição.

A manhã inteira foi dedica a cuidar das mulas que haviam no estábulo. “São muitas para esse lugar!”, Hugo pensou. Após a pausa para o almoço (uma sopa de ervas fria), o trabalho recomeçou, agora arrumando barracas caídas, provisões e, durante a noite, uma vigília que durou desde o pôr-do-sol até o Ponto da Lua. A janta veio nesse horário.

Aquela noite foi a primeira em várias que ele pôde tomar um banho, e seria a última por um tempo. Hugo dormiu tranquilamente naquela noite, ainda que debaixo do céu noturno. Mas foi ótimo.

Finalmente, a manhã em que teria início a expedição.

Quando Hugo saiu com uma nova roupa de sua cabana após ter acordado, ele notou que haviam diversas pessoas já de pé desejando boa viagem aos membros da expedição. Inacreditavelmente, algumas pessoas também desejaram boa viagem a ele. Um sorriso brotara em seu rosto.

Todos os membros já estavam a postos, esperando para partir. Eles trajavam roupas idênticas: Camisas, calças compridas e sandálias fechadas pretas, com uma túnica de cor variável cobrindo-lhes a roupa preta. A túnica de Hugo era cinza.

–Vamos, Hogo! – gritou Érick. “Meu nome é Hugo, velho”, ele pensou, “Mas já é um passo.”

Enquanto caminhavam para iniciar a missão no oeste, em meio a aplausos e gritos de felicidade e encorajamento, Borgo retornou para Hugo.

–Você sumiu – Hugo disse para Borgo – Mas, aqui vamos nós para o deserto. E agora não estou sozinho.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Terra Morta: Outras Pessoas – Parte IV


Ficaram lá dentro por mais um tempo, mas trataram de tudo a respeito de Hugo. E ele continuou lá, sem se intrometer na conversa, como se fosse um escravo sendo vendido. Por fim, Érick saiu da cabana acompanhado por Hugo e o calango, que esperavam pelas ordens dele. O homem tinha um passo largo, ainda que devagar na opinião de Hugo.

–Muito bem, garoto – Érick disse – Nós partimos em dois dias. Até lá, vou te deixar à parte de tudo – quase tudo – que temos em mente para a expedição. Vai ajudar se você ficar calado e prestar a atenção.

– E se eu tiver alguma dúvida? – Hugo perguntou.

–Apenas escute. E tira essa lagartixa da cabeça!

Hugo tratou de tirar Borgo de cima da cabeça e o colocou nas costas. O bicho simplesmente escapuliu da mão dele e voltou para seu ponto de vigília, do qual ele havia sido retirado.

–Você já é um membro da colônia, pelo que o velho Jonas disse – Érick voltou a falar – Mas você não vai ficar muito tempo aqui por causa da expedição. Sinta-se importante por eu ter concordado que você venha com o grupo; muita gente queria ir no seu lugar.

Hugo apenas prestava atenção ao que o homem dizia e o caminho que seguia. Os aldeões curiosos os observavam com algum receio. Ao que indicava, eles estavam indo para a sede da expedição ali na colônia.

–Nosso objetivo é simples: Vamos até a Torre no deserto, um lugar que, de acordo com as lendas, guarda tesouros incríveis. E mágicos. Até duas semanas atrás, nós a chamávamos de Torre Perdida, por não saber sua localização, mas, neste mesmo período, um antigo aldeão daqui reapareceu com um mapa alegando ter encontrado a torre.

“Levando em conta nosso grupo, a expedição contará com 15 pessoas e dois animais. Teremos eu no comando; Wallace, o que trouxe a informação e o mapa, como guia; três dos nossos melhores campeões para a defesa do grupo e duas arqueiras; um cozinheiro e seu ajudante; dois ajudantes de carga; um contador de histórias e dois lanceiros. Nossos animais serão duas mulas de carga que serão cuidadas pelos ditos ajudantes de carga.”

“E, claro, haverá você. Vai ficar do meu lado e ajudar a carregar, cozinhar ou batalhar quando eu assim achar necessário. Entendeu?”

–Sim, senhor – Hugo respondeu.

–Agora vamos. Você tem que conhecer o resto do grupo e fazer alguns serviços antes de partir na jornada.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Terra Morta: Outras Pessoas – Parte III


O homem que entrou pela porta não era mais alto do que Hugo, mas era mais velho. Trajava uma camiseta por debaixo de uma túnica roxa aberta na frente, uma calça comprida bege e um par de sandálias fechadas pretas. Tinha um cabelo cinzento jogado para trás e uma barba preta que se tornava cinza enchia-lhe a face. Era bastante musculoso para um homem na idade dele, no ponto de vista de Hugo.

O homem pegou um banco e puxou-o para perto do fogo, se sentando perto de Jonas. Nicole continuou parada junto da porta.

–Nicole – Jonas disse – já pode sair. Vamos!

–Ah, não...– ela resmungou – Deixa eu ficar, vai?

–Nicole, você – Jonas ia dizer.

– SAIA, MENINA! – Érick gritou, dando a graça da voz pela primeira vez na presença de Hugo. Este último que quase caíra da cadeira de tamanho susto, voltou a se lembrar que Borgo estava em sua cabeça, mesmo que tenha tirado o manto. A criatura apertou bem as patas na cabeça dele no momento do grito.

A garota saiu correndo do aposento.

–Diga o que deseja, mestre Jonas –Érick voltou a falar, mas incrivelmente sereno.

–Pois bem, – Jonas disse, pigarreando em seguida – este jovem, Hugo do Norte Árido, chegou esta noite em nossa aldeia...

– Causando confusão – Érick interrompeu – Prossiga.

–Sim. E, por alguma razão, deseja se tornar membro da colônia.

–Qual a razão, moleque?

–Oi? – Hugo se viu pego de surpresa – É que eu perdi minha colônia antiga, literalmente, e venho vagando pelo deserto à procura de um novo lar. E veja só! – ele bateu as mãos e gesticulou, apontando o lugar – Aqui estou! Só falta ser aceito!

–O período dele no deserto afetou-lhe o cérebro – Érick murmurou para Jonas – Sem falar que está tendo contato com humanos somente agora...

– Deve ser a alegria de se encontrar com outros humanos...– Jonas disse – Mas o motivo de eu ter lhe chamado aqui foi outro. Este garoto pode lhe ser útil na expedição até a Torre Perdida.

– Torre no Deserto. Ela não está mais perdida.

– Oh, sim. Bem, você precisa de mais um membro para a expedição e ele parece conseguir encarar a aventura; o garoto deseja virar um de nós e a expedição realizaria os desejos dele.

–Não sei...

Hugo estava ali, na frente deles, mas o tratavam como se não estivesse ali. No que ele foi se meter?

sexta-feira, 2 de março de 2012

Terra Morta: Outras Pessoas – Parte II


Enquanto seguia o caminho do velho, Hugo perguntou-se se estaria agindo certo. O calango

(“Vai se chamar Borgo”, pensava Hugo)

estava imóvel, observando o caminho a frente de cima da cabeça de Hugo. Aos poucos, as pessoas começaram a aparecer. “Ele está na companhia de Jonas. Não deve haver mal algum, então”, elas pensavam. Sem esperar por aquilo, o velho voltou a falar com Hugo:

– Não me disse seu nome nem de onde vem.

–Chamo-me Hugo – ele respondeu – ,e venho do Norte Árido.

– Seu sobrenome, você não o disse.

– O que é isso?

–Trata-se de um segundo nome, normalmente é algo compartilhado por famílias.

–No norte, éramos todos uma só família. Era o que minha mãe dizia.

–Que seja.

Hugo pareceu ficar um pouco apreensivo.

–E você não me disse o seu – ele disse.

O velho parou e olhou irado para Hugo.

– Como é que é?

–Seu nome.

–Devia ter mais respeito com os mais velhos, rapaz.

–Estou retribuindo o respeito que o senhor me concedeu.

Ainda mais irado, o velho se virou para a frente e continuou o caminho.

–Jonas Perchant – ele respondeu e Hugo ficou satisfeito. Afinal, fora aceito por ele e isso era um passo.

Eles estavam a alguns metros da estrutura fixa. Hugo percebeu que toda a atenção da colônia estava voltada para ele, mais especificamente para o que ele carregava na cabeça. A criatura estranha estava causando um alvoroço e tanto, e ele estava em contato com ela não fazia nem meia hora! Porém, ao mesmo instante, ele estava a alguns passos de se tornar membro de alguma nova colônia, algo do qual Hugo havia sido separado por motivos terríveis.

Entraram na cabana( foi como Jonas chamou a estrutura) e sentaram cada um em um banco. A cabana deveria ter mais ou menos o mesmo tamanho das barracas, só que era mais alto, e feita de concreto. O interior era decorado por uma fogueira no centro da cabana, alguns bancos distribuídos pelo aposento, uma cama baixa bem ao fundo e uma pequena mesa próximo da entrada. Algo simples, apesar de aparentar diferir das demais.

Jonas puxou o banco para perto do fogo e chamou Hugo. Também disse que podia tirar o manto empoeirado e colocá-lo em algum outro lugar que não fosse ali. Hugo seguiu o que lhe foi pedido, revelando uma camisa branca empoeirada e uma calça preta em estado idêntico por debaixo do manto. Os cantis foram postos próximo ao manto(em um tapete perto da mesa), mas a adaga continuou presa ao cinto.

–Nicole! Eu sei que você está aí! Venha aqui! – o velho gritou de repente. Uma jovem aparentemente mais nova do que Hugo atravessou a porta, adentrando o aposento. Tinha os cabelos negros e longos, porém presos. Se vestia à moda de Jonas – Chame Érick. E diga que temos um membro novo para a expedição dele.