sábado, 14 de abril de 2012

Contos: Além


Havia uma rato na rua daquele bairro. Mais especificamente num bueiro entre as casas 988 e 1003. Lá, o animal vivia sozinho em uma rotina cheia de particularidades que envolviam diversos moradores, ainda que na rotina dos moradores esse rato nem existisse.

Tudo começava à noite, entre onze e onze e meia, terminando sempre na alvorada. O rato cinza começava “seu dia” passando pelo quintal da 1003, numa visita ao gato gordo do Sr. Silva; então, dirigia-se para o sobradinho ao lado, onde um casal acabara de ter gêmeos,

(E Deus sabe como havia lixo no lugar),

Portanto uma fonte alimentícia rica. A seguir vinha a casa da rica Lúcia, cujo marido morrera dois anos atrás após um enfarto fulminante. A casa tinha uma piscina na qual o rato se banhava toda noite.

Vinha então a 1676, o simplório casebre da já idosa senhora Viana, a única que estava acordada naquele horário e sabia da existência do rato. O animal talvez não soubesse, mas passava horas nas mãos daquela senhora sendo acariciado e alimentado enquanto ouvia as mesmas histórias, noite após noite.

No caminho a seguir estavam outras casas, sem importância até para o rato, até chegar à esquina, com um borracheiro esgueirando sobre a rua principal. E era assim que toda a noite o rato se encontrava: a beira daquela rua, imaginando com aquele minúsculo cérebro o que haveria do outro lado. Então, naquela noite, ele ousou atravessá-la. E chegou do outro lado.

E, também, não teve como fugir do desmoronamento da fachada de um estabelecimento, que lhe levou a vida.

E as vidas na vizinhança continuaram.